segunda-feira, 24 de maio de 2010

Do Bairro Azul ao Saldanha

Este é um percurso que atravessa algumas das zonas mais nobres de Lisboa e em consequência permite um olhar sobre alguns dos prédios de rendimento modernistas mais belos e interessantes. A deslocação para o início do percurso pode ser realizada por metropolitano; estação de S. Sebastião, linha amarela.

E tudo começa na Av. Marquês da Fronteira, uma das portas de entrada do Bairro Azul, construído nos anos 30 nos terrenos da antiga Quinta de Palhavã, por iniciativa do promotor Bernardino Lopes em associação com os engºs Jacinto Bettencourt e Joaquim Ávila do Amaral. A estética adoptada aproximou-se mais da sintaxe Deco conservadora (116), tão ao gosto deste último, e menos do estilo modernista radical protagonizado por Cassiano Branco.

O bairro vive em três ruas e em cada uma delas a frente é marcada pelos dois prédios gaveto (206, 207), imponentes na representação de pórticos de entrada sobre a Marquês da Fronteira e a António Augusto de Aguiar. Os prédios são todos diferentes entre si e os planos de fachada são utilizados como telas, onde a geometria Deco encontra lugar para se expressar.

É um dos poucos bairros modernistas lisboetas sem mácula patrimonial e sem dúvida o mais eclético, mas lamentavelmente nos últimos anos, tem vindo a ser transformado em via de acesso a vastos equipamentos públicos e privados, causando-lhe uma natural descaracterização. Encontra-se em vias de classificação para Imóvel de Interesse Municipal pelo IPPAR. O conjunto de prédios abrangido por esta classificação é os da Rua Fialho de Almeida 1 a 17 e 2 a 30; Av. Ressano Garcia 1 a 37 e 2 a 30; Av. Ramalho Ortigão 1 a 37 e 2 a 18; Av. Marquês da Fronteira 2 a 8; Av. António Augusto de Aguiar 163 a 207.

O percurso pode iniciar-se pela Fialho de Almeida a artéria mais a sul e realizar-se em serpentina. Destaque para o nº 15 (208) desta última, datado de 1937 e da autoria de Cassiano Branco; os nºs 25 (212) de 1934, do mesmo autor e o 16 (216) ambos na Ressano Garcia; o nº 191 (368) da António Augusto de Aguiar.

O Café dos Poetas, na Fialho de Almeida 32 A, é uma boa solução para um café e nota final, a Nobel poetisa chilena Gabriela Mistral residiu na Ramalho Ortigão, 11, de 1935 a 39, enquanto cônsul em Lisboa. Escreveu um livro e contou que ali foi feliz.

De saída do bairro pela António Augusto de Aguiar e do outro lado da avenida encontra-se o Centro de Arte Moderna da Fundação Calouste Gulbenkian. A colecção de modernistas portugueses é notável e a melhor do género. Jorge Barradas (1847-1971); José de Almada Negreiros (1893-1970); Sarah Afonso (1899-1983); Mário Eloy (1900-1983); Stuart de Carvalhais (1887-1961); Amadeo de Sousa Cardoso (1887-1918), entre outros, tornam a visita imperdível.

De qualquer das formas o caminho agora faz-se através dos jardins da Fundação, de lado a lado e até à saída lateral com a Rua Marquês de Sá da Bandeira e daí pela esquerda até ao cruzamento com a Rua Elias Garcia. O prédio gaveto (376) aponta-nos o caminho através desta última (377) e depois pela Poeta Mistral. Todo este quarteirão mantém intacta a estética modernista e serve de acesso para a Igreja de Nossa Senhora do Rosário de Fátima (387), entrada pela Av. Marquês de Tomar, templo a ser inaugurado em 1938 e saído do risco de Pardal Monteiro. Foi a primeira igreja a ser construída fora dos cânones tradicionais da arquitectura religiosa. Os vitrais são de Almada Negreiros e as estátuas de S. João Baptista (sobre a pia baptismal), Nossa Srª de Fátima (sobre o altar mor) e da Ressurreição de Lázaro (casa mortuária) de Leopoldo de Almeida. Foi prémio Valmor de 1938.

O percurso prossegue pela Av. de Berna pela direita, até à 5 de Outubro e depois nesta pela esquerda até ao nº 209 (390), denominado prédio de Félix Ribeiro Lopes, em estilo Deco de 1929 e do traço de Pardal Monteiro. Foi prémio Valmor do mesmo ano.
Retrocedendo pela 5 de Outubro vamos virar novamente na Av. de Berna mas desta vez à esquerda. Os nºs 4 e 6 (396) são dois prédios de linhas Deco a merecer referência. Depois viramos na Av. da República (exemplo da forma como o progresso urbanístico não deve ser escrito) pela direita. O nº 71 (399) merece destaque, assim como prédio gaveto com a Elias Garcia (402). O magnífico prédio contíguo, nº 67 da Elias Garcia (403) encontra-se num avançado estado de decomposição.

A República leva-nos novamente a um prémio Valmor, o nº 49 (408), denominado prédio de Luís Rau (408), de 1923, do risco de Pardal Monteiro. Mais à frente no nº 15 A, paragem obrigatória na pastelaria Versailles, inaugurada em 1923 e a manter imaculado todo o glamour decorativo original Arte Nova. A qualidade do serviço também é altamente recomendável.

O percurso continua até à Praça do Duque de Saldanha, aparente paradoxo de praça que o não é, inútil espaço devotado aos automóveis e aos seu estacionamento e ainda palco de uma das grandes carnificinas urbanísticas realizadas em Lisboa: a demolição em 1984, do antigo edifício Monumental, do princípio da década de 50, de Raul Rodrigues Lima. O substituto é um paralelepípedo feito de vidro e mágoa.

A Av. Praia da Vitória apresenta dois prédios modernistas gémeos, ambos gavetos com a Rua de Picoas e a Av. 5 de Outubro (418), a merecerem um olhar. Do outro lado da Praça, o itinerário continua pela Av. Casal Ribeiro. O gaveto com a Fernão Lopes, nº 61 (570) é um prédio de estética Deco algo conservadora, mas nem por isso menos interessante; o 31 da Actor Taborda é de mencionar; o 26 (568) da Casal Ribeiro é um virtuoso modernista (Cassiano Branco?), infelizmente algo descaracterizado pela praga das marquises; o 16 (572) é um modernista suave, prémio Valmor 1946 e da autoria de Fernando Silva. Os nºs 1, 3, 5 (todos em mau estado), 11 e 15 (este condenado), da Almirante Barroso, servem uma pincelada modernista neste canto da cidade.

Do Largo da Estefânia para a rua homónima, cuja toponímia homenageia Estefânia de Hohenzollern-Sigmaringem, rainha consorte, mulher de D. Pedro V, e até à Praça Ilha do Faial nº 2 (66), prédio singular atribuído a Cassiano Branco (?). Depois primeira à direita na Av. Duque de Ávila até ao prédio gaveto (434) entre a Visconde de Santarém e a Rovisco Pais. Ambas apresentam um conjunto interessante de prédios modernistas ainda que alguns em má forma. A destacar o 18 (426) e o 22, da Rovisco Pais, ambos de 1933, de Cassiano Branco.

Retrocedemos pela Duque de Ávila até à Defensores de Chaves e pelo percurso de notar o prédio contemporâneo de gaveto entre aquela e a Estefânia, Edifício Milénio, de 2000,(Óscar Vida imobiliária 2001) e com azulejos de fachada da autoria de Leonel Moura, homenagem clara a Cassiano Branco, mesmo antes de olharmos um original de 1937, no nº 27 (61) da Defensores de Chaves.

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